Vai passando, tudo passa, até o desassossego.
Eramos três, qual concerto de cordas afinado. Um tocava para aqui e os outros, tocavam sempre para o mesmo lado. Se por acaso uma nota fugia ou corda se partia, nem assim, se notava que o caldo podia ficar entornado.
Eramos…
Este tempo verbal que custa a aceitar e a engolir e me deixa atormentada.
Nada é permanente. Muito menos a cumplicidade. E a verdade? Essa, começa a ter defeitos, tal qual os jeitos que se dão e que, passam a meias verdades.
Saudades? Tenho. Do que construímos durante uma vida a tocar em conjunto, e hoje, vejo desagregar.
A união. Essa relação que nos fazia fortes. Impenetráveis. Julgava eu.
Ficamos uma espécie de conjunto. Dois, três, às vezes somos quatro. Não. Não é verdade. Somos três e mais um. Nunca chegaremos a quarteto. Ficará para sempre um que está ali, mas pode logo ir para outro lado. Quase como num espectáculo em que entra um artista, aquele, é um convidado.
- Acredita, tenho tentado.
Tentei, vou tentando ainda, e sei, que tentas também. Mas a afinação, teima em ficar descompassada. As pautas estão desalinhadas e tudo é feito de corre-corre, sem tempo ou espaço e falta a nossa harmonia. Ou era minha fantasia?
Querença? Existe sim, ainda. A afeição natural, aquela que se toma, pega e despega sem pensar ou aquela que se dá e recebe sem se notar? Essa, vai perdendo graça e espaço. Não há tempo. Não há, não!
O nosso, sinto-o a esvaziar-se, está no fim e custa aceitar. Outros, tomaram o palco, se apropriaram e se vão posicionando. Ligam-se luzes, batem-se palmas, ouvem-se vivas. E quando erguemos a cabeça? Não. Não foram para nós. Estamos sós.
- É natural, eu sei que é.
Já te disse o quanto me aborrece o teu engano, o faz de conta de que é natural?
- Já disse sim. Sei que o digo muitas vezes. E sei, que sou culpada por sentir nos teus afagos as infrutíferas tentativas de me fazeres acreditar que farei parte da tua cena.
Foste a peça mais importante que um dia adquiri. Única. Perder-te faz-me sentir vazia e desalinhada.
Mas um dia, passa. Passa, mas hoje dói. Um dia esquecerei. Hoje não posso.
Sei que em outro dia tentarei lembrar e já não saberei por onde começar. Nesse dia, já não mais sentirei que me fizeste falta.
Estou triste. E sinto-me ainda mais triste por sentir a tristeza de o sentir. Gostava que me fosses indiferente. Assim pensei.
Hoje ao ver um filme chorei por nós.
Também eu te dei asas e tu voaste. E eu quero que voes. Foi por isso que tas dei e delas cuidei. Nunca tas tentarei cortar. Quero-te por inteiro. Não sei amar-te a meias.
Por isso te peço não me mintas, não me enganes. Não tentes dar-te pela metade. Não me chega. Dá-me pouco, mas que seja tudo com verdade.