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a alma da flor

a alma da flor

Dezembro já passou.

04.01.20 | DyDa/Flordeliz

Verdade que não ando bem. Verdade que não me sinto bem. Verdade que não estou bem.

E a pior verdade é que não sei o que se passa. Ainda que ande em busca de rumo para encontrar alguma estabilidade física e emocional.

Para além destas verdades. Todos os anos me sinto pior em Dezembro. Mês de aniversário. Mês de Natal. Mês que me lembra a família. O que tive. O que já pouco existe.

Os pais envelheceram. Os pais estão frágeis. Os pais estão dependentes. A mãe separou-se do pai. Ainda que não se tenha divorciado. Na idade deles a separação é por necessidade, não por vontade de estarem longe. É triste.

O pai não sabe em que lugar da gaveta dos lenços perdeu o que restava de vontade, de reconhecimento, de viver ou ser independente. Desconhece os dias que passam. Faz anos que perdeu o ponteiro do relógio do tempo. Vai chamando a novos e velhos "Micas", o nome da sua companheira de uma vida. Isto, a cada novo rosto com quem se cruza. E quando é hora de olhar o dela, cumprimenta-a, como se fosse mais uma, Micas. Continua cordial a cumprimentar as pessoas, apenas porque sim.

Os olhos doces dela ficam tremeluzentes.

O seu amor e dedicação de uma vida trata-a com indiferença não a identificando como sendo única, ou a principal. Ela procura algum conforto na mão dele em jeito de reconhecimento. Ele ignora-a, e ela fica desapontada. Às vezes ela mostra ciúme.

E porque não? Afinal, ele sempre foi só dela!

Foi ela que o cuidou, com respeito e carinho até à sua última queda. Nessa época também ela perdeu a capacidade de o ajudar ou orientar. Ficou frágil. Também ela dependente. A pouca força que lhe restou, vai gastando-a com perseverança e teimosia. Não sem deixar de precisar ela também de braços extra para se ajudar.

Sempre que o visita na nova morada, já não são muitas vezes. O tempo vai muito frio e a chuva muitas vezes não deixa. Os dois estão e são frágeis.

Mesmo assim ela quando se despede, parte feliz de o ver cuidado. Mas vai cismada, claro. De todas as vezes que o vê acalenta a esperança de que ele “melhore” e desperte, lhe fale do passado, dos filhos, da vida, das memórias que ela guarda e ele apagou. No regresso vai falando disto e daquilo e vai-o desculpando, como sempre fez, sempre.

A restante família foi amadurecendo. As crianças são hoje, adultos. O núcleo partiu-se e a graça deixou de ter.

As luzes continuam a piscar nas janelas. As lojas anunciam milagres. Entoam-se hinos. Os filmes repetem-se, mas...

O milagre do coração cheio, a vontade de rir e sonhar transformou-se em nostalgia. Já não sinto falta de rabanadas, sopas secas, sonhos, bolo-rei. O que sinto é falta do cheiro a canela dos mexidos que enchia a casa da nossa mãe feitos logo de manhãzinha. O vapor das batatas com couves e bacalhau a ferver na panela grande ao fim do dia. Gargalhadas à mesa de consoada. O jogo de cartas em família. E os rojões de pingue com castanhas a seguir aos jogos. Dos papéis coloridos amontados depois da meia-noite. E a roupa velha do dia de Natal.

Isso já não existe.

Já não me apetece jantar de Natal. Aperta-se-me o peito. O estômago fica mais pequenino. Não há doce que me adoce. 

Se eu pudesse?!...

Adormecia a 23 de Dezembro à noite e acordava no dia 26.

Eu não gosto e não quero presentes com laços e fitas.

O que sinto, é a falta dos meus ausentes.

Tenho a certeza que foram os presentes que mais amei, os que contarão para sempre. Aqueles jantares que não voltaremos a partilhar.

O Natal já não é especial. Tenho muita pena. É uma ceia com mais do que posso ou quero comer.

Simplesmente a vida avançou e a nostalgia veio para ficar e venceu.