Fui esquecida na garagem...
"Casal esquece filha de três anos em área de serviço
Família só deu pela falta da criança 150 quilómetros depois."
Foi à mais de 40 anos e no meu caso só passaram 2 kms. 2 kms para o lado de casa e outros 2 kms para regressar a pé ao mesmo local. Quanto tempo? Menos de meia hora...
Na época, a família tinha carro mas não uma garagem para o guardar. Era um luxo e ficava trancado a sete chaves. Impensável, deixar que, ficasse ao relento na rua.
Bem, neste dia de que vos falo, tinha anoitecido no regresso de um passeio familiar. O pai conduzia, a mãe vinha no banco ao seu lado e nós os três, seguíamos no banco de trás. Do meu lado esquerdo tinha o mano mais velho, do meu lado direito o mano do meio e eu, pequerrucha, no aconchego dos dois, bem no meio.
Ali me encontrava, segura e amparada pelos dois. Como devem imaginar, não havia cinto de segurança e muito menos cadeirinha de criança. À chegada, o pai estacionou o carro na garagem que tinha alugado para o efeito. Pouco espaçosa e ainda menos iluminada. Cada um se apeou como pode para o seu lado. Trancaram as portas do carro, bateram a porta da garagem e meteram pés ao caminho em direcção a casa. Aos poucos foram estranhando o meu silêncio e tentaram encontrar a minha mão no escuro. Chamaram o meu nome e como não respondia, descobriram que, afinal, não me encontrava com eles.
Aflitos, conversaram sobre o que me poderia ter distraído àquela hora tardia, olharam uns para os outros e acabaram por descobrir o motivo de eu não os acompanhar. Afinal eu, não tinha saído como eles do carro.
Não poderia. Quando os manos saíram do banco de trás, cada um para o seu lado, pensaram que eu os tinha acompanhado e saído de um ou outro lado e os meus pais pensaram exactamente o mesmo que eles, que os seguia, como era normal acontecer. Enquanto eu, permaneci tranquilamente no banco de trás, ferrada no sono.
Acordei sobressaltada. Eles muito aliviados e lá seguimos todos para casa, rumo às nossas camas.
- Deixaram-me sozinha dentro de um carro trancado. Numa garagem às escuras. Não acordei. E se tivesse acordado…nem é bom pensar, seria um pesadelo.
Mas isto é negligência. Será?
Não aconteceu nada de mal. Poderia? Talvez?! Mas não aconteceu. Deveriam ser castigados por isso?
Eu, não fui abandonada. Fui esquecida. Foi descuido. Acontece. Não devia, mas aconteceu.
Lembrei-me desta história, porque 150 kms em auto-estrada é pouco mais que o tempo gasto nos 2 kms a pé, passa muito rápido.
A criança que ficou na área de serviço, não foi abandonada, pelo que li. Esqueceram-se de confirmar se seguia no carro junto dos restantes elementos. Confiaram uns nos outros. Regressaram logo que se aperceberam do falhanço. Preocuparam-se. Penalizaram-se...
Precisavam ser crucificados? Não é para nós, que estamos de fora suficiente a aflição desta família e a vergonha pública que passaram com a notícia?
Quem nunca falhou?
Detesto aqueles comentários parvos que circulam por aí, como se todos fossem pais e educadores perfeitos. Somos humanos e falhamos. Bom era que não, mas falhamos.