Sei bem que hoje é dia do pai. Mas apetece-me falar do filho dele.
Talvez porque hoje é sexta e por estares longe de casa. Porque o dia está cinzento, e porque me sinto como o tempo, melancólica, ou ainda, porque li algo sobre este assunto e me lembrei daquele dia, no fim das aulas (já passaram alguns anos) em que me obrigaram a esquecer de ti durante tempos infinitos junto ao portão da escola.
Era um dia de inverno e estava chuvoso e como tal anoiteceu bem cedo.
Quase sempre era o pai que saía primeiro e tinha o cuidado de te apanhar no portão grande da Escola. Nesse dia, ao almoço, recordou-me uma vez mais que era eu que deveria passar para te apanhar. Penso que (já não recordo bem) na época à sexta tinha de ir para a faculdade ao fim do dia. Assim, ficou acertada e combinada a minha incumbência!
Perto da hora de sair ligou-me a lembrar. Passado pouco tempo e como não me descobrias no sítio do costume, ligaste a perguntar se deverias apanhar o autocarro que passava à nossa porta. Respondi-te apressadamente entre um telefonema e outro: que não! Mais uns minutinhos e ia buscar-te para o pé de mim.
Não gostava que fosses para casa e ficasses sozinho (sabia que ia demorar, não tinha hora certa para sair...) preferia levar-te comigo para o escritório, ao que anuíste sem reclamar (já estavas acostumado).
Mas…
O telefone não parava. As solicitações não terminavam. O chefe impediu-me de sair, falando, falando e falando…
Quando tentava explicar que estavas à minha espera, dizia: é só mais um minutinho e terminamos já! Mas os assuntos não tinham fim…
A pouca luz do dia deu lugar à escuridão e o meu coração cada vez ia batendo mais e mais aflito. Os minutos deram lugar a meia hora e depois a uma hora e eu continuei ali impedida de sair. Não fui capaz de virar costas, ir ao teu encontro!...
Aguentaste-te como um valente. Cansado, com frio, noite escura, ansioso (talvez medroso quando já não havia mais meninos por perto) para chegar ao conforto da nossa casa.
Consegui “arrancar” coragem para implorar ajuda à minha colega de trabalho «amiga, obrigada de coração!» a pegar no nosso carro e ir ao teu encontro.
Acredito que sendo ainda criança pensaste que me esqueci de ti. Que te troquei pelo (maldito) trabalho. Ficaste triste, porque afinal, o autocarro levava-te a casa com mais segurança, que aquela que eu te consegui dar e ainda podias estar quente e entretido com os bonecos que passavam na televisão e não ali… desprotegido!
O pai ficou aborrecido comigo. Com razão!
E eu, embora sem culpa, senti-me incriminada e culposa por me ter faltado coragem para dizer: chega! basta!!!
O tempo passou. Tu cresceste e já quase não precisas de nós.
Nesta época já os papeis se inverteram. Também o pai aprendeu (e não foi nada fácil) que nem sempre conseguimos fazer o que é correcto e que não somos capazes de fazer tudo o que defendemos.
Afinal, a vida é o que é… não o que achamos que podia ou devia ser!
Que é muito mais fácil falar, que colocar em prática o que achamos que deve ser feito, pois não depende apenas e só de nós.
Ainda hoje, falas desse dia. Ainda hoje, eu o lamento também…