O atraso...
24.09.09 | DyDa/Flordeliz
Atrasada!
Constatei apreensiva que o homem da perna curta continuava a levar-me vantagem.
Durante toda a vida tentei ludibriar este velho trôpego e ele sempre me venceu com a sua passada ritmada, enquanto eu me esforçava na corrida para o ultrapassar nas horas.
Hoje, terei mais uma vez de apressar e aligeirar os gestos para me apresentar na cerimónia final. Afinal, preparada e organizada em minha memória!
Com gestos seguros escolhi o meu melhor fato. Aquele que guardo para ocasiões especiais e que sinto me cai bem. Camisa de cambraia num branco imaculado ajustada nas costas moldando-me a cintura, calça e casaco azul-turquesa e sapato de salto alto a terminar a indumentária. Uma generosa borrifadela de perfume para recordar os aromas da natureza e, por fim, um último olhar de despedida ao reflexo do espelho. Não houve tempo para mais e também nada me prendeu ou chamou a atenção.
Desci acelerada as escadas e de memória tracei o caminho mais curto.
Errei!
O tempo de noite esteve chuvoso e o caminho havia sido cortado.
Retrocedi. Inverti a marcha e optei por um outro atalho fugindo à estrada principal. Também não foi desta que acertei na escolha. O carro desta vez ficou atolado na lama.
Assustei-me!
Ia chegar atrasada de novo. E desta vez não saberia como explicar a falta do meu corpo. Nem como faria para entrar na igreja antes de as pessoas chegarem. Como convencer o velho da perna curta a deixar-me, por uma vez, chegar à sua frente?
Pensei em ligar e avisar o atraso. Mas como faz um defunto um aviso sobre o seu atraso? Que desculpa poderia usar?
E foi desta aflição e deste enigma que, de repente, despertei e que ficou, pelo menos por agora, sem resposta.
O relógio já vai adiantado. Desta vez corro pela casa ao encontro de mais um dia na minha vida!....