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a alma da flor

a alma da flor

Pobre menino...nem tu escapaste!

12.05.09 | DyDa/Flordeliz

Comecei por fazer parte das estatísticas dos trabalhadores activos bastante jovem. Comparando com a idade actual do meu filho nesta altura já lhe levava uns anitos de vantagem.

 

Como recompensa, a minha mãe, para me manter animada, no final de cada mês retirava da minha féria uma ou duas notas de mil, fazendo-me gerir a arte de amealhar. A verdade é que mesmo não sendo muito, e dado que não havia muito onde o gastar, o montinho devagarinho lá se ia multiplicando e, sendo de pouca monta até me fazia feliz.
Por essa época, começaram a aparecer umas vendedoras que, transportadas em carrinhas, eram distribuídas pela aldeia, tendo como missão vender porta a porta, com objectivos de venda bem definidos a serem alcançados até ao final do mês e assim garantirem o ordenado. Eram loiças, panelas, copos e um sem fim de coisas em catálogos. Com a ânsia e a necessidade de os atingir, algumas passavam o limite do razoável impingindo até enciclopédias a velhinhos - os pobres diabos nem sabiam ler nem escrever.
A minha mãe nunca gostou muito deste tipo de compras e, francamente, a mim também não me agradava muito o tempo que nos faziam perder, pois quando não conseguiam vender, muitas das vezes contavam histórias do arco-da-velha para conseguirem o negócio (outras até se tornavam indelicadas, mas adiante…).
Um dia, porque a vendedora era persistente, ou porque o artigo me encantou, lá me deixei aliciar por uma peça em marfinite (dizia ela que era) - um menino solitário. O preço era exorbitante, especialmente para a minha carteira, a minha mãe tentava por todos os meios demover-me da ideia, mas ou porque as minhas colegas tinham comprado (e nisso eles eram bons, mostrando inclusivé o contrato com o nome de quem comprou, para nos fazer comprar também) ou eu tinha-me encantado pela peça e assim fiz a compra do meu primeiro presente.
Ainda hoje o mantenho. Afinal custou-me mexer nas minhas parcas economias e é uma lembrança que guardo com enorme estimação quer da minha juventude, quer da minha teimosia, além de continuar a gostar de olhar para o menino.
A peça tem um ar tristonho. O menino parece sempre infeliz. Há uns dias pareceu-me ainda mais infeliz que o costume. Olhei-o com atenção e como o vi encostado com a cabeça tombada sobre a parede, deduzi, ter descoberto o motivo de tamanha tristeza, indo prontamente colocar o pobrezinho em posição mais confortável, ou seja, de pé.
Mas de pé só consegui alinhar o corpo. A cabeça, essa tinha sido decapitada e rolou sobre o móvel, fazendo um enorme estardalhaço e grande mossa no aparador. Fiquei a olhar para ele a pensar: quem raio lhe poderia querer tanto mal uma vez que o pobre coitado não fazia mal a ninguém?
Não tive outra solução se não uma operação cirúrgica à base de esguichadelas de super-cola, ficando assim a pertencer “o meu menino” a mais uma obra “deficiente” que mantenho cá em casa, pedindo a todos os santinhos que a “Maria limpeza” não se lembre de lhe arrancar mais nada, a ele ou a outra coisa!....