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a alma da flor

a alma da flor

Negócios...da ocasião?

30.04.09 | DyDa/Flordeliz

Olá Manuel. Há tempos que não te via!... Por onde tens andado? Tudo bem contigo?

- ´Tá tudo! Já regressei há uns anos de França!

Que fazes agora? Onde trabalhas?
- Por minha conta. Tenho três ourivesarias. Vendo e compro ouro e diamantes.
Fiquei um pouco surpreendido ao perceber como um vendedor de viaturas (inexperiente) passou a proprietário de ourivesarias de sucesso, mas…
Enquanto conversávamos, o Manuel ia batendo com um belo maço de Euros na perna, aguardando a sua vez para os depositar. A primeira nota era de quinhentos (daquelas que muitos de nós só viu quando nos foram apresentadas na mudança de moeda) Desconheço a importância das restantes, mas pareceu-me uma bela quantia, que ele não fazia questão de guardar ou esconder.
Tinha sido meu colega de trabalho e fomos falando da vida enquanto aguardávamos a nossa vez de sermos atendidos. Dizia-me com alguma realização e brilho no olhar que a vida lhe corria bem. Comprava ouro e diamantes usados.
Vestia de forma simples (desleixada até) e ele mesmo me chamou a atenção para esse facto. Assim, não tinha problemas em ser assaltado, uma vez que lidava com quantias avultadas de dinheiro.
Depois de ele ser atendido, e porque o gerente é meu amigo, manifestei a minha estranheza sobre o tipo de negócio da compra e venda de ouro usado. Afirmei mesmo que não entendia como as pessoas, tendo tão pouco dinheiro, ainda tinham interesse em adquirir ouro usado. Ele sorriu e foi-me explicando o que sabia sobre o “negócio” e qual a sua principal finalidade.
Dizia ele – “Na verdade, há imensa gente a desfazer-se de bens (classe média alta) por dificuldades financeiras. E nota-se, ultimamente, uma grande quantidade de “angariadores” que servem de intermediários (tipo o Manuel) a outros comerciantes que são os verdadeiros interessados no negócio. E são estes que fazem chegar o produto final até empresas espanholas que, por sua vez, o comercializam no mercado Asiático e América Latina”.
Saí para a rua. Talvez por ainda vir a pensar no assunto, fui olhando e encontrando em cada rua que passava, letreiros com as palavras “COMPRA VENDA DE OURO USADO”. Nunca tinha reparado até hoje que a cidade está a mudar e que, no lugar das lojas dos chineses, temos um “género de ourivesarias”, quase sem montra para exposição de produtos, onde o mais importante é o enorme letreiro.
Ando distraído?!… Devo andar!

Recordações de 1974

25.04.09 | DyDa/Flordeliz

Não me esqueço do contentamento infantil de poder assistir na televisão a um episódio da “Pipi das meias altas”, as aventuras da endiabrada miúda de cabelo ruivo, sardas, tranças e meias altas coloridas, que vivia sozinha com o seu macaco e um cavalo. Foi naquela caixa mágica, com que a minha mãe resolveu presentear a família num acto corajoso, decorria o mês de Abril do ano de 1974. “Vinha à experiência” dizia ela…

A nossa casa ficava na zona mais baixa da aldeia, perto do rio. O sinal (segundo os técnicos) era de fraca qualidade, o que dificultava a boa recepção de emissão televisiva. Para colmatar esta falha ergueram um ferro mais alto que a casa no fundo do quintal (uma coisa assombrosa!), enfiando no seu topo uma antena enorme num emaranhado de ferros e ferrinhos que o vento se encarregava de vergastar fazendo com que a imagem parecesse estar a ser sacudida e castigada por uma tromba de água e saraiva.
Para mim pouco importava, desde que saísse algum som e eu pudesse assistir (imaginar) aos desenhos animados ou a outra coisa qualquer, não me queixava.
Foi na semana da decisão sobre o destino a dar à TV que se deu o 25 de Abril. Assim, ou se chamava de novo o técnico para a sintonizar, uma vez que o vento lhe pegou no “garfo” e a fez mudar de direcção deixando a imagem impossível de decifrar, se trocava por outra ou a parte mais dura - seria devolvida.
Haverá melhor conselheiro que o medo, a incerteza ou a instabilidade que pairava na época sobre o futuro? Pois!...
Uma vez mais, a minha mãe resolveu a questão. E assim como a tinha mandado vir também a mandou recolher. Tendo a minha felicidade durado o espaço de uma mísera semana.
Se alguém me perguntar, mas essa é a imagem que guardas do 25 de Abril?
Lamento ter de admitir que durante muito tempo o trauma me perseguiu. Afinal, não foi único mas foi com certeza o maior responsável por ter de aguardar mais um ano até voltar a aparecer de novo televisão lá em casa.
Mas isso foi em criança. Isso foi porque até aos adultos menos informados “a coisa” escapou. Aliás, ninguém (ou muito pouca gente) se atrevia a pensar ou expor o que pensava. E porque só mais tarde, enquanto crescia, tomei consciência de que eu era livre e na minha época as pessoas viviam em liberdade.

 

 

 

Dependentes de um guia!

16.04.09 | DyDa/Flordeliz

Ele era alto, de cabelos grisalhos, ar distinto, um pouco curvado pelo peso das Primaveras. Ela era roliça e, embora mais nova, também o tempo tinha deixado os seus sinais.

Eram os próximos clientes do balcão da dependência bancária onde me encontrava. A minha atenção despertou e foi ficando presa ao casal. Não sei se pelo trejeito ou pelo ar distinto do cavalheiro, se pelo toque delicado e respeitoso da sua mão sobre os ombros da senhora na tentativa de a escutar e perceber enquanto se curvava sobre ela, ou se pelo ar simples e recatado da senhora que lhe ia falando baixinho. O mais provável, se calhar foi o facto de ser hora de almoço para muitos e haver pouca gente e com isso ia passando o tempo, esperando a chegada da minha vez para ser atendida.
Não tiveram de abordar a menina que estava no caixa que, reconhecendo o cavalheiro, prontamente falou para a senhora com ar de quem dominava, e bem, o assunto que ali os levara:
- A senhora é familiar?
Franzi o sobrolho pois ela tinha levantado um pouco o tom da voz o que me aguçou ainda mais a curiosidade.
Um pouco tímida a senhora explicou:
- Não! Sou amiga dele e ajudo-o quando me pede, e…
- Ainda bem que alguém se preocupa com o Sr. Ferreira. Resolvi retirar-lhe o cartão MB porque na verdade (e aqui a menina gaguejou, procurando as palavras notando-se pouco à vontade com a situação, mas continuando firme nas suas convicções) ele não tem capacidade ou responsabilidade para o usar. O senhor já perdeu vários. Não sabe usar o cartão sozinho e pede a qualquer pessoa que o use por ele. Aliás, quando o mesmo lhe foi retirado ele tinha o código junto e como sabe, nos tempos em que estamos, ele pode ser enganado e roubado. O banco entendeu que não deve dar um cartão a quem não lhe dá um correcto uso, até para segurança do próprio cliente. Assim, sugiro que sempre que precise de dinheiro o venha aqui levantar ao balcão, mesmo que lhe fique um pouquinho mais dispendioso, pois com toda a certeza é mais seguro.
Pareceu-me que a senhora entendeu o recado e não insistiu nem comentou sobre o que lhe foi dito.
Quanto ao senhor sei (e a funcionária também!) que voltará de novo amanhã porque já se esqueceu da conversa de hoje e na sua memória apenas ficou o registo da falta do cartão MB na sua carteira e que o deve tentar recuperar no seu banco.
Não tive coragem de olhar para os dois! Era a minha vez…
A funcionária cumprimentou-me e eu entreguei-lhe o depósito sem a fixar esperando que não me dirigisse a palavra, mas…
Foi quando me tentou explicar a situação que se me toldou o olhar denunciando de quanto me tinha deixado invadir pela tristeza de toda a situação.
Imaginei o meu pai…
Imaginei-me um dia ficar assim… dependente…perdida!
Tentei disfarçar as “malditas” e não comentei o assunto com ela. Tentei sair dali o mais rápido possível. Tentei sentir o ar no rosto e sacudir esta realidade que aflige tantos “ Senhores Ferreiras” e que mexeu comigo fazendo-me sentir pequenina e impotente.
Raios!...

Eu sei que deveria escrever sobre coisas alegres. Eu sei que é muito mais agradável para quem lê. Mas escrevo o que sinto em cada momento. E se é triste que me sinto. Não sei fazer de conta que estou a sorrir. 

 



No negro da alma...

09.04.09 | DyDa/Flordeliz

 

 
Eu sei lá…
porque não me sinto bem
Eu sei lá…
porque machuquei quem me quer bem
Eu sei lá…
porque nem sempre a Lua me seduz
Eu sei lá…
porque ela brilha e eu não descubro a luz
 
Esta agonia que me faz vaguear
Negro silêncio de naufrágio e solidão
E me derruba deixando-me a flutuar
Somente eu e a minha maldição
 
És feia imunda
Traiçoeira como o vento
És dor profunda
À solta no pensamento
 
Vai-te maléfica
Vai p´ra bem longe daqui
Vai-te malvada
Não quero saber mais de ti

Porque vezes...não é para sempre!

08.04.09 | DyDa/Flordeliz

 

 

Às vezes e são vezes demais
As que se perde a razão
Com pensamentos banais
Seguindo na contra-mão
 
E nessas vezes acreditamos
Que podemos enganar oceanos
Planeando viver num só dia
Num mundo de utopia
 
Eis pois, quando o sonho termina
Dando luz ao novo dia
 
E quando a verdade aparece
Ficamos com a certeza
Que mesmo que reste saudade
Nada apaga na realidade
 
A vida que já vivemos!

 

Não me tranquem!

04.04.09 | DyDa/Flordeliz

 

Um gato, em casa, sozinho, sobe
à janela para que, da rua, o
vejam.

O sol bate nos vidros e
aquece o gato que, imóvel,
parece um objecto.

Fica assim para que o
invejem - indiferente
mesmo que o chamem.

Por não sei que privilégio,
os gatos conhecem
a eternidade.
Nuno Judice
Gosto de gente
Que vive, que sente
Olha, e é contemplado

Sentir o sol que me bate no rosto
Que queima, bronzeia, encandeia de luz
E que tanto me seduz

É o dia de hoje que eu quero viver

Da vida do gato
Na janela fechada
Eu não desejo nada

Não quero a eternidade
Isso é tempo demais
Preciso viver como todos os mortais

Não se me fechem janelas
Não me tranquem portas

Eu preciso respirar
Eu preciso gritar
Eu preciso de ar

Que o gato fique com a ETERNIDADE
Eu preciso de LIBERDADE