Imagem retirada da internet
Quando casei, fiquei a viver numa casa por cima da dos meus pais. Era uma bela vivenda e oferecia uma vista magnífica pois era alta e todos os cómodos tinham porta e davam acesso à varanda que a circundava. A cozinha, mesmo virada para as traseiras da rua, também ela tinha varanda e viam-se os campos e uma vinha da quinta de uma fábrica de algodão hidrófilo.
Nesta mesma varanda, quando chovia, a água batia na janela e na porta, o que era desagradável pois molhava tudo. Resolvemos o problema mandando colocar uma janela de correr, que apenas fechávamos quando chovia, resguardando a varanda.
Na época, a minha sobrinha tinha os seus dez anitos e era presença habitual à hora de almoço, pois praticamente vivia em casa dos meus pais e de lá seguia para a escola, o ciclo preparatório.
Pouco antes da uma hora chegava para almoçar, bem como o meu marido que aparecia um pouco depois. Ela comia em casa da minha mãe a correr, para logo de seguida subir as escadas e sentar-se a tagarelar connosco à mesa, fazer-nos companhia e, a maioria das vezes, jogar algum jogo inventado pelo tio “N”.
Achávamos-lhe graça e sempre a mimamos e lhe demos imensa atenção. E ela não perdia por nada estes momentos. Achava piada quando ele a espicaçava, armando-lhe algumas ratoeiras que a faziam delirar.
Eram jogos de nomes, animais, locais, o que ele se ia lembrando enquanto não terminava o almoço para de novo voltar ao trabalho.
Acredito que o “desgraçado” enquanto percorria o caminho do emprego já vinha a pensar o que lhe havia de perguntar…
Recordamos muitas vezes com prazer uma pergunta que um dia lhe fez: “Quem foi D. Nuno’Álvares Pereira? (Inclusive, há aqui perto um colégio com esse mesmo nome.)
Ela, com ar de reguila, respondeu: “Desculpe tio! Mas eu não costumo ver o telejornal…”
As gargalhadas foram mais que muitas! Pensava a garota que ele falava de algum político da época e que assim se desculparia da falta de conhecimento.
Assim se ia divertindo a miúda e no fundo nós com a sua alegre companhia.
Era norma habitual os meus pais subirem até minha casa e, ao verem o feitor da quinta ao lado, tagarelarem da “tal” janela de correr.
Certo dia, enquanto conversavam, o homem ganhou coragem e pediu para me dizerem para não deitar sacos com os restos da comida para a vinha. Que os arrumava ele, mas seria aborrecido se o patrão dele os encontrasse.
Os meus pais ficaram incrédulos e envergonhados. Não era possível ser eu! Não acreditavam que eu fizesse semelhante coisa.
Chamaram-me e contaram a conversa. Eu fiquei tão furiosa por ele ousar pensar que eu fosse capaz de tal porcaria que foi com alguma dificuldade que falei com ele.
Disse-lhe que se havia lixo visse de onde ele vinha, que eu não era e não admitia que pensasse que poderia ser eu.
E eu ainda mais surpreendida fiquei com a sua resposta segura. “São restos de comida e eu vejo os sacos a caírem e são atirados pela sua janela! E até tenho aqui dois recentes”. Abriu-os e mostrou batatas estufadas num, e no outro tinha um pão embrulhado num guardanapo.
A minha mãe olhou para mim. Eu olhei para a minha mãe e… ”EUREKA”!!!
Fartamo-nos de pedir desculpas ao senhor pois estava coberto de razão.
Os sacos não eram meus. A comida não era minha. Mas a janela era!
A comida era da minha mãe e as mãos que faziam voar os sacos por ela eram da minha “reguila” sobrinha!
Quando não gostava da comida, quando queria acabar mais rápido ou quando não comia o lanche, pegava num saquinho plástico, metia a comida dentro e antes de entrar na minha cozinha, fazia-o voar janela fora e assim ninguém a aborrecia ou obrigava a permanecer na mesa porque o prato ficava limpo.
- Que vergonha a minha! O homem estava convencido que era eu a preguiçosa e despejava o lixo no campo dele…
A miúda foi ameaçada que acabariam os jogos se continuasse a fazer algo igual e vigiada com atenção pela minha mãe. Acredito que ganhou juízo (pelo menos ninguém mais se queixou)!
As crianças são uma doçura. Mas também sabem ser umas pestinhas e matreiras…