Na aldeia onde eu vivia, o sacristão era uma espécie de Guardião do Templo.
Ajudava o padre, cuidava da igreja, das esmolas, das obras, das velas, anotava as missas e ainda ensinava ao sábado de tarde a catequese.
Era uma figura que todos temíamos. Sisudo e sombrio, tinha sempre à mão uma vara comprida que chegava aos sítios mais afastados, caindo sobre as nossas cabeças e acordando-nos do enfado de palavras repetidas tipo cantilena e que, na sua maioria, não percebíamos o sentido mas tínhamos de decorar.
Ninguém tinha coragem ou ousava fazer perguntas. Era assim, ponto final!
Destes sábados, ficou gravado na minha memória, um em especial. Um dos meus irmãos, rapaz que se julgava “moço” pois era mais velho seis anos, resolveu espreitar por brincadeira ou curiosidade as meninas da catequese por uma janela estreita que dava para a sacristia. Talvez porque a janela era pequena, ou porque ele também não era grande, a sua aventura foi presenteada com uma canada daquelas de se tirar o chapéu. O meu irmão ficou tão atordoado e surpreendido que nem vontade teve de chorar! No entanto, ao voltar-se com a raiva estampada no olhar brilhante, disse: “Vou-me vingar!”
Todos sabíamos que no final da sessão de catecismo, o “guardião” gostava de ir à tasca do Pontes beber o seu copito para molhar a palavra, já que, no final da tarde, lá estaria ele no altar a ler o Evangelho e a cantar, enquanto o padre (já velhote), se sentava a descansar.
Junto à igreja, havia uma quinta que chamavamos “A CERCA”. Era uma quinta cheia de árvores frondosas e mato, vedada por um muro alto. Aliás, até tínhamos um pouco de medo de tão densa que era a vegetação.
Nesse dia, o meu mano e colegas resolveram castigar o senhor António pela vergonha que o tinha feito passar. Encheram-se de coragem, subiram o muro, colocaram estrategicamente pedras em cima dele e esperaram escondidos que ele por ali passasse.
Ia o homem calmamente estrada acima, quando de repente, uma chuva de pedras lhe começou a fustigar as pernas e a cabeça. Esbaforido, a praguejar e a lançar impropérios, desatou a correr enquanto os malandros o acompanhavam parede acima sem abrandar o ataque.
Entrou como um foguete, assustando o velho Pontes que lhe perguntou: “Então homem parece que viu diabo! Que aconteceu?”
Ainda a recompor-se dizia: “Foi o neto…o neto…foi o neto do Rufino!… Esse malandro! Vou mandar chamar a mãe para fazer queixa dele!”
E se bem o pensou, melhor o fez!
Uns dias depois, a minha mãe recebeu um recadinho para ir falar com o sacristão. E ela, como boa cristã e cumpridora, meteu pés ao caminho e lá foi.
- Azar do meu irmão, pois a minha mãe era um doce mas não admitia faltas de respeito!
Claro que o “bondoso rato da igreja” só contou que o meu mano o tinha apedrejado e “esqueceu-se” de dizer que lhe tinha acertado com uma canada tão forte que lhe ia atirando uma orelha ao chão.
A minha mãe pensava que ia para ouvir falar de mim e, afinal, saiu de lá envergonhada. Ao chegar a casa resolveu começar pelo fim, ou seja, uma bela “carga de lenha” no meu irmão. E só depois foi ouvir dele, de mim e dos colegas a versão completa dos factos.
Claro que não gostou que lhe tivessem batido no filho, mas a coça já tinha sido dada e ele não tinha que o apedrejar, pois podia ter magoado o homem que era mais velho e até se podia ter afligido.
Mães…
Imagem retirada da internet