<Carlos Barreira da Costa, médico Otorrinolaringologista da mui nobre e Invicta cidade do Porto, decidiu compilar no seu livro "A Medicina na Voz do Povo", com o inestimável contributo de muitos colegas de profissão, trinta anos de histórias, crenças e dizeres ouvidos durante o exercício desta peculiar forma de apostolado que é a prática da medicina. E dele não resisti a extrair verdadeiras jóias deste tão pouco conhecido léxico que decidi compartilhar convosco.>
O diálogo com um paciente com patologia da boca, olhos, ouvidos, nariz e garganta é sempre um desafio para o clínico:
"A minha expectoração é limpa, assim branquinha, parece com sua licença espermatozóides". "Quando me assoo dou um traque pelo ouvido, e enquanto não puxar pelo corpo, suar, ou o caralho, o nariz não se destapa". "Não sei se isto que tenho no ouvido é cera ou caruncho". "Isto deu-me de ter metido a cabeça no frigorífico. Um mês depois fui ao Hospital e disseram-me que tinha bolhas de ar no ouvido". "Ouço mal, vejo mal, tenho a mente descaída". "Fui ao Ftalmologista, meteu-me uns parafusinhos nos olhos a ver se as lágrimas saíam". "Tenho a língua cheia de Áfricas". "Gostava que as papilas gustativas se manifestassem a meu favor". "O dente arrecolhia pus e na altura em que arrecolhia às imidulas infeccionava-as". "A garganta traqueia-me, dá-me aqueles estalinhos e depois fica melhor".
As perturbações da fala impacientam o doente:
"Na voz sinto aquilo tudo embuzinado". "Não tenho dores, a voz é que está muito fosforenta". "Tenho humidade gordurosa nas cordas vocais". "O meu pai morreu de tísica na laringe".
Os "problemas da cabeça" são muito frequentes:
"Há dias fiz um exame ao capacete no Hospital de S. João". "Andei num Neurologista que disse que parti o penedo, o rochedo ou lá o que é...". "Fui a um desses médicos que não consultam a gente, só falam pra nós". "Vem-me muitos palpites ruins, assim de baixo para cima...". "A minha cabecinha começa assim a ferver e fico com ela húmida, assim aos tombos, a trabalhar". "Ou caiu da burra ou foi um ataque cardeal".
Os aparelhos genital e urinário são objecto de queixas sui generis:
"Venho aqui mostrar a parreca". "A minha pardalona está a mudar de cor". "Às vezes prega-se-me umas comichões nas barbatanas". "Tenho esta comichão na perseguida porque o meu marido tem uma infecção na ponta da natureza". "Fazem aqui o Papa Micau (Papanicolau)?" "Quantos filhos teve?" - pergunta o médico. "Para a retrete foram quatro, senhor doutor, e à pia baptismal levei três". "Apareceu-me uma ferida, não sei se de infecção se de uma foda mal dada". "Tenho de ser operado ao stick. Já fui operado aos estículos". "Quando estou de pau feito... a puta verga". "O Médico mandou-me lavar a montadeira logo de manhã".
As dores da coluna e do aparelho muscular e esquelético são difíceis de suportar:
"Metade das minhas doenças é desfalsificação dos ossos e intendência para a tensão alta". "O pouco cálcio que tenho acumula-se na fractura". "Já tenho os ossos desclassificados". "Alem das itroses tenho classificação ossal". "O meu reumatismo é climático". "É uma dor insepulcrável". "Tenho artroses remodeladas e de densidade forte". "Estou desconfiado que tenho uma hérnia de escala".
O português bebe e fuma muito e desculpa-se com frequência:
"Tomo um vinho que não me assobe à cabeça". "Eu abuso um pouco da água do Luso". "Não era ébrio nato mas abusava um pouco do álcool" "Fujo dos antibióticos por causa do estômago. Prefiro remédios caseiros, a aguardente queimada faz-me muito bem". "Eu sou um fumador invertebrado".
O aparelho digestivo origina sempre muitas queixas:
"Fui operado ao panquecas". "Tive três úlceras: uma macho, uma fêmea e uma de gastrina". "Ando com o fígado elevado. Já o tive a 40, mas agora está mais baixo". "Eu era muito encharcado a essa coisa da azia". "Senhor Doutor a minha mulher tem umas almorródias que com a sua licença nem dá um peido". "Tenho pedra na basílica". "O meu marido está internado porque sangra pela via da frente e pinga pela via de trás". "Fizeram-me um exame que era uma televisão a trabalhar e eu a comer papa". "Fiz uma mamografia ao intestino". "O meu filho foi operado ao pence (apêndice) mas não lhe puseram os trenos (drenos), encheu o pipo e teve que pôr o soma (sonda)".
Os medicamentos e os seus efeitos prestam-se às maiores confusões:
"Ando a tomar o Esperma Canulado"- Espasmo Canulase "Tenho cataratas na vista e ando a tomar o Simião" - Sermion "Andei a tomar umas injecções de Esferovite" - Parenterovit "Era um antibiótico perlim pim pim mas não me fez nada" - Piprilim "Agora estou melhor, tomo o Bate Certo" - Betaserc "Tomo o Sigerom e o Chico Bem" - Stugeron e Gincoben "Ando a tomar o Castro Leão" - Castilium "Tomei Sexovir" - Isovir "Tomo uma cábulas à noite". "Tomei uns comprimidos "jaunes", assim amarelados". "Tomo uns comprimidos a modos de umas aboborinhas". "Receitou-me uns comprimidos que me põem um pouco tonha". "Estava a ficar com os abéticos no sangue". "Diz lá no papel que o medicamento podia dar muitas complicações e alienações". "Quando acordo mais descaída tomo comprimidos de alta potência e fico logo melhor". "Ó Sra. Enfermeira, ele tem o cu como um véu. O líquido entra e nem actua". "Na minha opinião sinto-me com melhores sintomas".
O que os doentes pensam do médico:
"Também desculpe, aquela médica não tinha modinhos nenhuns". "Especialista, médico, mas entendido!". "Não sou muito afluente de vir aos médicos". "Quando eu estou mal, os senhores são Deus, mas se me vejo de saúde acho-vos uns estapores". "Gosto do Senhor Doutor! Diz logo o que tem a dizer, não anda a engasular ninguém". "Não há melhor doente que eu! Faço tudo o que me mandam, com aquela coisa de não morrer".
Em relação ao doente o humor deve sempre prevalecer sobre a sisudez e o distanciamento. Senão atentem neste "clássico":
"Ó Senhor Doutor, e eu posso tomar estes comprimidos com a menstruação? Ao que o médico retorque: "Claro que pode. Mas se os tomar com água é capaz de não ser pior ideia. Pelo menos sabe melhor."
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