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a alma da flor

a alma da flor

O carteiro já não toca duas vezes.

20.12.10 | DyDa/Flordeliz

Imagem Internet

 

Talvez seja da época, mas recordei-me do carteiro que tantas vezes aguardávamos, espiando pelo canto do olho, para ver se parava à nossa porta.

O Senhor Pereira percorreu durante toda a minha infância e adolescência a minha aldeia a pé. Todos os dias da semana. Fizesse chuva ou sol. Empurrando com uma mão a bicicleta de pedal, que carregava parte da correspondência e encomendas, levando a tiracolo o saco do correio. Poucas foram as vezes em que o vi montado nela, até porque as ruas eram e são muito inclinadas.

Nessa altura não era obrigatório o número de porta. E as ruas não tinham placas identificativas. Nas aldeias eram conhecidos apenas os lugares. No entanto, isso não o impediu de decorar e conhecer as casas e os seus habitantes. E mesmo quando estava doente, era ele que ajudava quem o substituía na separação das cartas para o “giro”, para que pudessem chegar ao destinatário. Cumprimentava pelo nome próprio todos os que com ele se cruzavam, e porque era uma pessoa prestável e cordial, ajudava quem não teve a oportunidade ou a sorte de frequentar a escola e que por esse motivo não sabia ler ou escrever.

Comecei a crescer. E quando recebi a minha primeira carta senti-me importante e feliz. Namorar implicava a existência de correspondência. Todas as semanas aparecia aquele envelope branco, com letra azul muito bem desenhada, com palavras que haviam ficado por falar no Domingo por este correr rápido e saber sempre a pouco. Ou porque, era mais fácil escrever o que a alma gritava mas a boca teimava em manter guardado com medo de fazer má figura.

Depois, eram os postais pelas épocas festivas – Aniversário, Páscoa, Natal…

Hoje, olhando para trás e comparando as entregas dos funcionários dos CTT, esfuma-se do meu imaginário o papel do carteiro.

Será que alguém ainda recebe uma carta de amor? Uma carta de um familiar? Uma carta de amigos?

Na correspondência deixada na caixa de correio encontramos - publicidade, extractos, facturas, documentação fiscal e empresarial. As cartas, aquelas que eram escritas a caneta, há muito desapareceram e deixaram de ser um momento de mágica surpresa ou de fazer o coração disparar em sobressalto.

Agora, só pedimos para que não venham acompanhadas de registo, sinal de ordem para pagamento de multas, ou mesmo chamadas ao tribunal para prestar declarações. Na maior parte das vezes, assuntos que não nos dizem respeito e que nos impedem de trabalhar por sermos obrigados a comparecer e adiadas as vezes que lhes apetece, sem respeito por quem perde horas e se tem de justificar no emprego, o que nem sempre é compreendido.

O carteiro é mais um prestador de serviço. Se um dia aparece um de bigode, no seguinte é um careca e no dia posterior pode mesmo ser uma mulher.

O tempo do “nosso” carteiro foi quase esquecido. A função de mensageiro foi substituída pela de comercial de entregas de resmas de papel que muito pouco é lido ou mesmo aberto por e com prazer.

Marcas da evolução do tempo...

 

 

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