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a alma da flor

a alma da flor

No tempo em que havia galinheiros!...

25.08.09 | DyDa/Flordeliz

Milú  a tua aventura "brincadeiras do caneco" fez-me avivar a memória com esta que passo a contar.

 

   

Pela tarde havia grande animação no galinheiro do “Zé Maria sacristão”. Quando uma galinha cacareja, é sinal de ovo fresco no cesto e todas ficam agitadas incluindo o galo que domina a capoeira.
 “Có-ca-ró” – entoava o galo com voz de tenor.
“Có-có-có” – respondiam elas em coro.
“Có-ca-ró-ca-ró-có-ca-ró” – repenicava ele novamente.
“Có-có-có” – respingavam as galinhas esvoaçando inquietas.
Nesse dia a cantoria nunca mais findava. E, ou as galinhas iam encher o cesto de ovos, ou tinham resolvido afinar a voz para algum concurso galináceo, pensava com os seus botões a mulher do “sacristão”.
No dia seguinte, ainda o sol piscava o olho dando a primeira espreguiçadela e, como de costume, a Arminda lá se dirigiu aos cestos de palha convencida que a colheita ia chegar para saciar a família e ainda sobejar para vender à vizinhança.
Ficou a mulher admirada ao encontrar os cestos vazios e as galinhas agachadas. Logo começou a matutar e a deitar culpas ao calor que as deixava molengonas. E falando sozinha ia dizendo: “Nada como um pouco de fome de milho para vós vos despachares, bando de preguiçosas!”
Como sempre acontecia quando elas se retardavam, levantava-lhes o penacho e enfiava-lhes o dedo mindinho para ver se estavam atrasadas na postura e ia tagarelando com elas: “Se os ovos foram comidos corto-vos o bico, suas lambonas!”
Quando levantou a primeira e depois outra e outra, exclamou muito assustada “Meu Deus!!... Alguém arrancou o cú às minhas pobres galinhas!”
A carne da cloaca tinha saído fora e estava tão inchada que quase batia no chão. Os animais estavam meios dormentes e cambaleavam de febre. Até o galo que gostava de se mostrar valente se encontrava encolhido a um canto a olhar o harém desfeito.
O cenário era assustador. A mulher levou as mãos à cabeça. Depois esfregava os olhos não querendo acreditar. Até que se lembrou da algazarra do dia anterior, desatando numa desenfreada gritaria, acordando família e vizinhos parecendo que tinha perdido o tino.
- Zetaaaaaaaaaaa! Anda cá Zeta! Eu vou-te matar de pancada, raio de rapariga! Zetaaaaaaaaaaaa! Ah minha filha da ****, que eu desfaço-te desmiolada!
Nazaré era a filha mais nova do casal a quem os irmãos começaram a chamar “Zeta”. Além de travessa era um pouco Maria-rapaz e só fazia patifarias. Era uma atrás de outra.
Claro que a rapariga se antecipou. Mal ouviu a mãe a remexer pela casa, saiu sorrateira e ladina dando de frosques para a “bouça do Pereira”. Ela sabia bem como tinha terminado no dia anterior a aventura no galinheiro. Tinha ouvido os cacarejos das galinhas de tarde e como não tinha nada mais interessante para se entreter tinha resolvido imitar a mãe. Entrou no galinheiro e de dedo esticado resolveu averiguar se as galinhas nesse dia iam ser generosas. Levantou uma das galinhas que estava já no cesto da palha e enfiou o dedo mindinho com jeitinho, descobrindo que o ovo estava lá e quase prontinho a cair no cesto. “Boa! (pensou) Não tarda vai pôr ovo e sou eu quem o arruma na despensa!”
Aguardou impaciente uns minutos. Mas ou estava atrasado o serviço ou a galinha se assustou e foi nessa altura que resolveu antecipar a sua saída enfiando de novo, agora não um dedo, mas aqueles que precisou para arrancar o ovo que se esborrachou ainda dentro do rabo da galinha, enquanto esta gemia e esperneava de dor. Pensando a “Zeta” que se tratava de pouca sorte nesta primeira tentativa, logo se dirigiu à seguinte na esperança que a tarefa corresse melhor. E assim, uma a uma lá foi arrancando os ovos às galinhas que conseguiu agarrar, deixando-as a arder por dentro e sem ovo nenhum que servisse para estrelar.
Quanto às galinhas traumatizadas nem para canja serviram.
A rapariga traquina, essa, quando a fome apertou lá teve de regressar e não sei o que lhe aconteceu. Mas certamente teve mais sorte que as pobres galinhas que passaram pelas suas mãos.

 

 

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