Não me esqueço do contentamento infantil de poder assistir na televisão a um episódio da “Pipi das meias altas”, as aventuras da endiabrada miúda de cabelo ruivo, sardas, tranças e meias altas coloridas, que vivia sozinha com o seu macaco e um cavalo. Foi naquela caixa mágica, com que a minha mãe resolveu presentear a família num acto corajoso, decorria o mês de Abril do ano de 1974. “Vinha à experiência” dizia ela…
A nossa casa ficava na zona mais baixa da aldeia, perto do rio. O sinal (segundo os técnicos) era de fraca qualidade, o que dificultava a boa recepção de emissão televisiva. Para colmatar esta falha ergueram um ferro mais alto que a casa no fundo do quintal (uma coisa assombrosa!), enfiando no seu topo uma antena enorme num emaranhado de ferros e ferrinhos que o vento se encarregava de vergastar fazendo com que a imagem parecesse estar a ser sacudida e castigada por uma tromba de água e saraiva.
Para mim pouco importava, desde que saísse algum som e eu pudesse assistir (imaginar) aos desenhos animados ou a outra coisa qualquer, não me queixava.
Foi na semana da decisão sobre o destino a dar à TV que se deu o 25 de Abril. Assim, ou se chamava de novo o técnico para a sintonizar, uma vez que o vento lhe pegou no “garfo” e a fez mudar de direcção deixando a imagem impossível de decifrar, se trocava por outra ou a parte mais dura - seria devolvida.
Haverá melhor conselheiro que o medo, a incerteza ou a instabilidade que pairava na época sobre o futuro? Pois!...
Uma vez mais, a minha mãe resolveu a questão. E assim como a tinha mandado vir também a mandou recolher. Tendo a minha felicidade durado o espaço de uma mísera semana.
Se alguém me perguntar, mas essa é a imagem que guardas do 25 de Abril?
Lamento ter de admitir que durante muito tempo o trauma me perseguiu. Afinal, não foi único mas foi com certeza o maior responsável por ter de aguardar mais um ano até voltar a aparecer de novo televisão lá em casa.
Mas isso foi em criança. Isso foi porque até aos adultos menos informados “a coisa” escapou. Aliás, ninguém (ou muito pouca gente) se atrevia a pensar ou expor o que pensava. E porque só mais tarde, enquanto crescia, tomei consciência de que eu era livre e na minha época as pessoas viviam em liberdade.
Curioso, porque tudo o que recordo do 25 de Abril está associado à televisão... como se tudo aquilo se tivesse passado num filme, algures,,,, e depois recordo o 25 de Abril dos anos seguintes, com o avante camarada como musica de fundo....
Eras ainda bem pequenito... Como querem que a gente se lembre? O que recordo é o que nos mostram todos os anos na TV. Mas não preciso de recordações para perceber o quanto foi importante. Oh Jorge que ninguém nos oiça mas foi mesmo revolução à portuguesa. Até a fazer revoluções somos pessoas "simples". Nada de tiros, nada de guerra. Uma festinha e uns cravos na ponta da espingarda e "voilá"... "Somos livres, somos livres de voar!" Diz lá se não somos uns "bacanos"?
E não era? O que eu fugia para a casa da vizinha para espreitar a Gabriela mulher... Diziam "eles" que aquilo era uma pouca vergonha. Na verdade eu até achava na época que era uma vergonha bem boa e arranjava sempre um motivo para fugir para casa deles. Eu nasci assim, eu cresci assim... Torcidinha ahahahha